APELAÇÃO CÍVEL Nº 81.500-3, DE CURITIBA, VARA DE REGISTROS PÚBLICOS E ACIDENTES DE TRABALHO.
APELANTE : ALVARO THAIS. APELADA : JUSTIÇA PÚBLICA. RELATOR : DES. OCTÁVIO VALEIXO.
REGISTRO CIVIL - ASSENTO DE NASCIMENTO - RETIFICAÇÃO - INSERÇÃO DE ALCUNHA PELA QUAL É CONHECIDO ADMISSIBILIDADE ART. 58, DA LEI 6.015/73 - MODIFICAÇÃO QUE NÃO DESCARACTERIZA O NOME DE FAMÍLIA SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. Se
o indivíduo é conhecido generalizadamente por um apelido ou por um
cognome, sendo ignorado o seu nome ou o apelido de família há motivo
relevante para a alteração.
VISTOS, relatados e
discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 81.500-3, de CURITIBA, VARA
DE REGISTROS PÚBLICOS E ACIDENTES DO TRABALHO, em que é apelante ALVARO
THAIS e apelada JUSTIÇA PÚBLICA.
1 Trata-se de pedido de retificação no registro civil, fundado no art. 58 da Lei 6.015/73, com nova redação dada pelo art. 1o, da Lei 9.708/88,
formulado por ALVARO THAIS, visando a substituição do prenome ALVARO,
por apelido público e notório, qual seja INRI CRISTO, a fim de que passe
a figurar naquele assento de nascimento o nome INRI CRISTO THAIS. Sustenta
que foi registrado por seus pais adotivos no Registro Civil da comarca
de Indaial, Santa Catarina, como ALVARO THAIS, porém seu verdadeiro nome
e apelido, pelo qual é conhecido desde tenra idade é INRI CRISTO e
desse modo sempre assinou seus documentos pessoais. Juntou provas às fls. 7 "usque" 34. O
pedido foi julgado improcedente pelo MM. Juiz, em primeira instância,
ao argumento de que INRI não é apelido, mas letreiro ou inscrição,
citado no Evangelho de São João e o prenome do requerente não lhe
acarreta depreciação, não há erro gráfico, exposição ao ridículo ou
falsidade no Registro Civil, de modo que não se aplicaria à espécie a
Lei 6.015/73. Inconformado
recorre o requerente, sustentando em resumo que juntou prova cabal,
completa e insofismável de que seu apelido INRI CRISTO é público e
notório; em momento algum alegou que o nome ALVARO lhe acarreta qualquer
tipo de problema, porém a substituição do prenome pelo apelido público e
notório é permitido por lei, não podendo o magistrado deixar de aplicar
a lei por divagação ou interpretação pessoal, alegando ter sido
letreiro ou inscrição no passado. Cita o nome de pessoas
famosas, que são conhecidas por seus apelidos, e finaliza pedindo seja o
recurso julgado procedente, a fim de que se efetue a alteração
postulada para acrescentar o apelido INRI CRISTO, passando a chamar-se
ALVARO INRI CRISTO THAIS ou simplesmente INRI CRISTO THAIS. Os
ilustres representantes do Ministério Público opinaram pelo improvimento
do recurso, justificando que na intenção da lei, apelido público e
notório é aquele atribuído por terceiros e que se dissemina tornando-se
popular entre as pessoas, não sendo o caso do requerente que se auto
intitulou INRI CRISTO.
É o relatório.
2 Inconformado
recorre o requerente, sustentando em resumo que juntou prova cabal,
completa e insofismável de que seu apelido INRI CRISTO é público e
notório; em momento algum alegou que o nome ALVARO lhe acarreta qualquer
tipo de problema, porém a substituição do prenome pelo apelido público e
notório é permitido por lei, não podendo o magistrado deixar de aplicar
a lei por divagação ou interpretação pessoal, alegando ter sido
letreiro ou inscrição no passado. Cita o nome de pessoas famosas,
que são conhecidas por seus apelidos, e finaliza pedindo seja o recurso
julgado procedente, a fim de que se efetue a alteração postulada para
acrescentar o apelido INRI CRISTO, passando a chamar-se ALVARO INRI
CRISTO THAIS ou simplesmente INRI CRISTO THAIS. Tratando-se a
espécie do chamado Direito da Personalidade, não vejo qualquer óbice ao
atendimento do pretendido pelo apelado, mesmo porque, como ficou
demonstrado nos autos, ele é mais conhecido pela alcunha de INRI CRISTO
do que pelo seu prenome ALVARO. O nome civil da pessoa física,
enquanto signo de identidade social, ou síntese documental dos elementos
que atribuem a cada pessoa a organização singular e permanente, capaz
de a distinguir das outras, é exigência objetiva do convívio humano e,
pois, referência indispensável à segurança das relações jurídicas. É
através dele, que se guarda particular relevo o patronímico, porque,
situando o portador como membro de determinado grupo familiar, desvela o
traço não arbitrário, mas histórico (evocativo, de regra, não apenas da
sua origem, mas da história da estirpe), de sua individualização
social, e, por isso, desempenha decidido papel de ordem jurídica e
prática, como componente mais importante do nome conforme os
ensinamentos deixados por FERRARA (Trattato di Diritto Civile Italiano,
Roma, Athenaeum, 1921, vol. I/562, n. 116; COLIN e CAPITANT, Cours
Élémentaire de Droit Civil Français, Paris, Dalloz, 5ª edição, 1927,
vol. I/355, § 1, 1º)., em citação de SERPA LOPES (Tratado dos Registros
Públicos, Rio de Janeiro - São Paulo, Freitas Bastos, 5ª edição, 1962,
vol. I/168, n. 74).: PAULO EDUARDO RAZUK (JTJ - Volume 128 - Página
13) (Juiz de Direito do Estado de São Paulo), em monografia intitulada O
NOME CIVIL DA PESSOA NATURAL, assim escreveu: (...) 1. Elementos Integrantes do Nome:
Modernamente o nome civil é constituído pelo prenome e pelo apelido de família. Prenome
é o nome próprio da pessoa, correspondente ao antigo nome próprio da
pessoa, correspondente ao antigo nome de batismo, podendo ser simples ou
composto. Chama-se sobrenome o vocábulo seguinte ao primeiro do
prenome composto, o que está em desacordo com o linguajar comum. Exemplo
de prenome simples: José. De composto: José Carlos. No segundo exemplo,
Carlos é o sobrenome do primeiro nome. O apelido de família serve
para designar a família a que o sujeito pertence, também podendo ser
simples, como Pereira, ou composto, como Pereira Lima. A palavra cognome também serve para designar o nome de família. O
termo patronímico serve para designar o nome derivado do prenome do
pai. Exemplos: Vasques, filho de Vasco; Fernandes, filho de Fernando;
Esteves, filho de Estevão. Tais nomes acabaram sendo adotados como apelidos de família, com os quais hoje se confundem. Agnome é o elemento último que se acrescenta ao nome. Exemplos: Júnior, Filho, Neto e Sobrinho. Axiônimo
é a denominação que abrange os títulos nobiliárquicos e honoríficos, os
títulos e qualificativos eclesiásticos, bem como os qualificativos de
dignidade oficial, além dos títulos acadêmicos. Exemplos: Conde,
Comendador, Cardeal, Desembargador e Professor. Nome vocatório é a designação pela qual o sujeito é conhecido (PONTES DE MIRANDA, MAGALHÃES NORONHA, CARVALHO SANTOS, etc.).
Alcunha
ou epíteto é o nome que se ajunta ao nome próprio, ou que o substitui,
para designar a pessoa. Exemplos: Pelé, Lula, etc. Pseudônimo é a designação de alguém, em função das suas atividades. Exemplos: Grande Otelo, Tristão de Athaíde, etc.
(...)
Não
pretendendo estender-me mais sobre o assunto, porém como é de grande
interesse ilustrativo, acrescento a seguinte indicação bibliográfica
CLÓVIS BEVILÁQUA - Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., Livraria
Francisco Alves, 1929; CLÓVIS BEVILÁQUA - Direito de Família, 7ª ed.,
Editora Rio, 1976; CLÓVIS BEVILÁQUA - Código Civil Comentado, vol. I, 5ª ed., Livraria Francisco Alves, 1936; CLÓVIS BEVILÁQUA - Código Civil
Comentado, vol. II, 6ª ed., Livraria Francisco Alves, 1941; PONTES DE
MIRANDA - Tratado de Direito Privado, t. VIII, 4ª ed., Editora Revista
dos Tribunais, 1983; CARVALHO SANTOS - Código Civil Interpretado, vol. IV, 11ª ed., Freitas Bastos, 1986; CARVALHO SANTOS - Código Civil
Interpretado, vol. V, 13ª ed., Freitas Bastos, 1985; SERPA LOPES -
Curso de Direito Civil, vol. I, 5ª ed., Freitas Bastos, 1971; WASHINGTON
DE BARROS MONTEIRO - Curso de Direito Civil, 1º vol., 16ª ed., Editora
Saraiva, 1977; WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO - Curso de Direito Civil,
2º vol., 17ª ed., Editora Saraiva, 1978; SILVIO RODRIGUES - Direito
Civil, vol. VI, 12ª ed., Editora Saraiva; ORLANDO GOMES - Introdução ao
Direito Civil, 4ª ed., Editora Forense, 1974; ORLANDO GOMES - Direito de
Família, 1ª ed., Editora Forense, 1968; YUSSEF SAID CAHALI - Divórcio e
Separação, 5ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 1986; YUSSEF SAID
CAHALI - O Casamento Putativo, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais,
1979. HENRICH LEHMANN - Derecho de Família, tradução de José M. Novas,
Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, 1953; R. LIMONGI FRANÇA -
Do Nome Civil das Pessoas Naturais, 3ª ed., Editora Revista dos
Tribunais, 1975; R. LIMONGI FRANÇA - O Nome Civil da Mulher Casada
Diante da Nova Constituição,
Relatório IOB de Jurisprudência - n. 19/1989; HÉSIO FERNANDES PINHEIRO -
O Nome Civil da Mulher Casada, Editora Revista dos Tribunais, vol. 185,
maio de 1950; ANTONIO CARLOS MARCATO - O Nome da Mulher Casada,
Justitia, vol. 124, 1984; FUSTEL DE COULANGES - A Cidade Antiga, vol. I,
Editora das Américas, 1967; FRANCISCO DA SILVEIRA BUENO - Dicionário
Escolar de Língua Portuguesa, 11ª ed., Ministério da Educação e Cultura,
1979; CELSO FERREIRA DA CUNHA - Gramática da Língua Portuguesa, 5ª ed.,
Ministério da Educação e Cultura, 1979; JOSÉ JOAQUIM NUNES - Compêndio
de Gramática Histórica Portuguesa, 7ª ed., Livraria Clássica Editora,
Lisboa; etc... :
Está, aí, a ratio legis do princípio, que é
de ordem pública, da estabilidade do nome e, sobretudo, do patronímico,
ou apelido de família (artigos 56 e 57, caput, da Lei de Registros Publicos),
cuja alteração só se admite em casos excepcionais, onde ocorra
necessidade ditada por motivos de coerência jurídica, ou por outras
causas que sobreexcedam à relevância da razão normativa. Sobre a matéria, vigora o princípio da imutabilidade no nome, notadamente no que se refere ao prenome e sobrenome. Mas em casos excepcionais e justificados, a Lei de Registros Publicos
e a jurisprudência permitem a retificação ou alteração quando: houver
erro gráfico evidente, expuser o seu portador ao ridículo, homonímia,
inclusão de sobrenome de ascendente, tradução, merecendo anotar,
especialmente no tocante ao sobrenome, ser possível eventual modificação
em função de determinados casos peculiares e específicos. Assim é,
que a orientação pretoriana, rente à vida, vem amenizando o princípio da
imutabilidade do nome, admitindo seja este alterado sempre que se deva
compatibilizar o teor do registro com a identidade real da pessoa,
porque o que visa a lei a coibir é a mudança dessa identidade, não a do
conteúdo do assento. A respeito, é oportuno trazer à colação o que decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, na Apelação nº 196/82 (RT, vol. 603/207, 1ª col.).:
Para
a lei é a relevância do motivo que interessa. Assim, se o indivíduo é
conhecido generalizadamente por um apelido ou por um cognome, sendo
ignorado o seu nome ou o apelido de família - como sucede muitas
vezes, até mesmo por parentes próximos - haveria motivo relevante para a alteração.
Induvidosa a permissão de alterar-se o nome, com acréscimo de alcunha com notório conhecimento. O
apelante é conhecido nacionalmente por INRI CRISTO, como líder de um
grupo religiosos, há mais de 20 anos, o suficiente para justificar o
acréscimo do apelido, mantido seu prenome e o nome da família. Mesmo
porque não se destina a atividade profissional que pudesse gerar
desrespeito ou deboche de termos tão significativos para o cristianismo.
Simplesmente não admitir a retificação pretendida, significaria um
apego exagerado ao formalismo, o que sofre repulsa nos dias de hoje,
onde o julgador não pode recusar a ver a lei com os olhos da realidade,
em precedente já decidido por esta Colenda Câmara, cf. acórdão nº 14.609, datado de 17/02/99, relatado pelo eminente Juiz Conv. Lauro Laertes de Oliveira. No
mesmo sentido, vide ainda os seguintes arestos assentados neste
Tribunal de Justiça: (Ac. 11.919 de 22/10/96 Rel. Juiz Conv. Sérgio
Arenhart e Ac. 15.915 de 29/06/99 Relª Des. Regina Afonso Portes ambos
da Terceira Câmara Cível); (Ac. 2480 de 14/04/98 Rel. Des. Antonio
Carlos Schiebel Quinta Câmara Cível); e (Ac.14.170 de 07/10/97 Rel. Des.
Vidal Coelho Primeira Câmara Cível). Enfim, o cerne da questão pode ser assim colocado: Vivificando
a lei e partindo de interpretação mais compreensiva, admite-se o
acréscimo, desde que não prejudique os apelidos obrigatórios. (RT
294/203).
Como esclareceu o Desembargador Wanderlei Resende, ao
longo da discussão do voto, que à época de sua atuação como juiz
eleitoral na capital, já havia deferido alteração do nome do apelante em
seu título de eleitor. Merece, pois, reforma a respeitável sentença recorrida. Ante
o exposto, dou provimento ao apelo para que seja oficiado o cartório de
Registros de Nascimento da Comarca de Indaial-SC, a fim de que efetue a
alteração necessária no Livro de Registros de Nascimento, para o
acréscimo da alcunha INRI CRISTO, passando o autor a chamar-se ALVARO
INRI CRISTO THAIS. É como voto
ACORDAM os Desembargadores
integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, por maioria de votos, em dar provimento ao recurso. Vencido o
eminente Desembargador Dilmar Kessler. Curitiba, 17 de maio de 2000.
Des. OCTÁVIO VALEIXO Relator
Des. DILMAR KESSLER Voto vencido
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador TROIANO NETTO (presidente). |